Imagem: Dr. Hunter S. Thompson - pai do Jornalismo Gonzo |
por
Gilmar R. Silva*
Ele surgiu nos anos 60 , obra do tresloucado jornalista norte-americano Hunter S. Thompson. Misturando ficção com não ficção e colocando o jornalista como personagem e até mesmo protagonista dos acontecimentos relatados, o jornalismo gonzo por muito tempo foi olhado com desconfiança (mesmo hoje ainda é) por grande parte da imprensa. Avesso às convenções, descompromissado com o lead e outros padrões jornalísticos, o gênero é contemporâneo da contracultura e como tal carrega consigo um forte acento dos ideais que acometiam a época de seu surgimento. O jornalista gonzo preza a liberdade de expressão, a experimentação de estados de consciência alterados e, sobretudo, a verdade. Uma verdade livre de caretices e burocracias.
Há cinco anos Dr. Hunter, como Thompson era conhecido, colocou um ponto final na própria vida. Deixou para trás um legado irreverente, provocador e verdadeiro. Sem falar no séquito de fãs formado por estudantes de jornalismo que viram na extravagância e nos métodos do pai do gonzo jornalismo uma maneira inovadora e divertida de se contar uma história. Iniciativas tidas como originais na recente história da mídia brasileira, a exemplo do Pasquim, da trupe do Casseta e Planeta, das loucuras de Arthur Veríssimo no Ratinho e mais recentemente o CQC , são exemplos de que Thompson fez escola no Brasil.
Mas este e-book busca entender o jornalismo hoje e o bom e velho Gonzo já é um senhor de cinqüenta anos de idade. Um equívoco eu falar do gênero? Não mesmo. Se o gonzo jornalismo já aprontava das suas em períodos conturbados como o da contracultura e da ditadura militar, hoje mais maduro e podendo contar com a liberdade de imprensa e a internet ele anda mais vivo do que nunca. A verdade é que o gonzo jornalismo está por trás de grandes sucessos da web. Dos Quadros do CQC às hilárias entrevistas do programa Sem Meias Palavras , o Gonzo tem bombado no Youtube. Seu sucesso no formato vídeo porém começou nos anos 80.
O Brasil ainda se acostumava com a idéia de democracia quando foi agraciado com Ernesto Varella, um repórter irreverente que fazia as perguntas que todo jornalista gostaria de fazer, se tivesse coragem. Vivido por Marcelo Tas na telinha, o personagem era o ponto alto do programa Olhar Eletrônico , na época dirigido por Fernando Meirelles. Varella chamava mais atenção que seus entrevistados. Hoje por sua vez temos o CQC também comandado por Tas, no programa seus repórteres oriundos do mundinho do standup comedy, fazem piada e deixam seus entrevistados sem graça. Mais uma vez o repórter se sobressai ao entrevistado. Então é esse o espírito do gonzo, sobressair-se ao entrevistado ? Errado. O espírito do gonzo jornalismo é exatamente o oposto. A grande sacada de Varella e do CQC não é chamar atenção pra si e sim mostrar o quão comum, cheio de defeitos e até mesmo patéticos podem ser os políticos e celebridades entrevistadas pela mídia.Para revelar a faceta menos glamorosa destes basta fugir do lugar comum, das perguntas batidas.
Mas e quando o jornalismo gonzo vai além das tiradas espertas? Quando isso acontece temos experiências muito bacanas no que diz respeito a maneira como estamos acostumados a conferir uma história/reportagem. Arthur Veríssimo no inicio dos anos 90 começou a escrever para a revista Trip, de lá pra cá suas viagens aos mais exóticos cantos do planeta e contato com experiências alucinógenas, espirituais e de comportamento diversas o posicionaram como um dos grandes nomes do jornalismo Gonzo no Brasil, o que já lhe rendeu até mesmo um quadro no popularesco Programa do Ratinho. Ler as aventuras de Veríssimo se passando por um homem placa desses que vendem ouro, um desentupidor de esgotos, um lixeiro ou ler o mesmo descrever suas experiências em rituais como os da ayhuasca ou sobre a mesa de operações de um curandeiro, nos coloca em posição de entender e até mesmo dar mais crédito ao que lemos . E se pra você dar crédito para as alucinações de um repórter após uma experiência alucinógena não parece muito esperto, saiba que não é muito diferente do que cientistas fazem todo dia em seus laboratórios, e você acredita neles não é mesmo?
Mas é quando o jornalismo gonzo se coloca a disposição da sociedade que vejo o quão importante ele se faz pertinente nos dias de hoje. A Bandeirantes, atualmente o canal que mais aposta nesse gênero, conta com o programa “A Liga”, nele seus repórteres vivenciam as mais variadas situações, se passam por prostitutas, por moradores de rua, por pacientes psiquiátricos, se misturam a diferentes tribos, se lançam em ônibus e trens lotados. Em suma vivem na pele o sufoco e o descaso das autoridades para com as minorias. Mais que mostrar um fato, eles o vivenciam. Ganha o telespectador que além de ver e escutar os lamentos daqueles que protagonizam tais situações, tem a sua disposição uma terceira informação advinda do testemunho do repórter que incorporou uma realidade adversa a sua e que acaba por constatar na pele o quão ruim e desagradável é ser negligenciado pelo poder público.
Volto agora ao CQC pra falar do quadro “Proteste Já” , nele o repórter interpela autoridades, para tal faz uso de tiradas espertas, se fantasia, provoca-o, o desafia, faz com que o mesmo se comprometa. O resultado é positivo, uma vez que as reivindicações do quadro em sua maioria são atendidas. E veja, não trata-se de um repórter questionando um governante por uma obra atrasada, trata-se de um repórter cobrando , e cobrando com bom humor. Quem foi que disse que seriedade, sisudez e formalidade são sinônimos de competência ?
Obviamente milhares de cartas chegam à produção do programa, devido ao quadro, poucas viram pautas que vão ao ar. Afinal estamos falando de um programa de televisão, um canal de TV não tem o poder do ESTADO, tão pouco a responsabilidade deste para com a população. Isso porque o Proteste Já não tem a pretensão de ser o grande salvador das mazelas públicas e sim a inspiração para que as ações do repórter tresloucado sejam imitadas pela comunidade , que diante de um problema ou descaso de seus governantes, o cobrem sem medo. Soa utópico, mas levemos em conta que em tempos de internet e celulares com câmeras, não é nada de outro mundo flagrar irregularidades e divulgá-las para um grande número de pessoas. Um vídeo no Youtube, a avacalhação no perfil de um político, um trend topic ou uma gravação exibida em praça pública , por exemplo, podem perturbar e agilizar a solução de problemas por parte dos governantes.
Exercer a liberdade de expressão é direito de todo cidadão. Fazer jornalismo por conta própria será cada vez mais comum para as pessoas. E com isso a atitude do bom e velho Jornalismo Gonzo ganhará cada vez mais novos adeptos. Dr. Hunter sorriria ao ver que em tempos de internet o seu estilo continua, pra desespero dos conservadores, aprontando das suas.
* Gilmar R. Silva* é Jornalista especializado em cultura digital e Educador em Audiovisual, Novas Mídias e Cibercultura. Owner da Laranja Pontocom e entusiasta da cultura livre, da cultura pop e da cultura DIY (Faça você mesmo).
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