quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Narrativa Transmídia: um "causo", vários formatos

por
Gilmar R. Silva*

Não resisto a uma boa história, aqui no Vale do Paraíba e na Serra da Mantiqueira os mais velhos chamam de causo. Convido o leitor para dois dedinhos de prosa sobre histórias na Era Digital.

Sempre admirei os contadores de história, diferente dos políticos, seus motivos são nobres, divertem e ensinam. Seja na festa da firma, no churrasco da pelada, em um Luau ou no almoço de domingo em família, as pessoas não conseguem tirar os olhos deles. Contadores de histórias talvez só percam em popularidade para o sujeito do banquinho e violão. É, não da pra ganhar todas, diria meu avô Chrispim, um proseador nato.

Mas como disse sou do vale do Paraíba, da Serra da Mantiqueira, cresci vendo bons contadores de causos. Filho de gente da roça, convivi desde pequeno com gente simples , pequenos agricultores que, sempre que vinham a “cidade” faziam questão de passar na casa do “cumpadi” Laurindo e da “cumadi” Miguelina, meus pais. Adorava os causos que contavam. Hoje, mais velho, no entanto me acostumei a ouvir as mesmas histórias no SESC, onde até pouco tempo trabalhava com cultura digital. No SESC domingo é dia de teatro infantil e contação de história. Foi num domingo de maio que ouvi os causos de Seu Ditão Virgilio, o melhor contador de histórias que já ouvi. Natural de São Luiz do Paraitinga, Seu Ditão não precisa de indumentária, de nada. Não é ator, é melhor, é um caipira autêntico, só conta causo em que acredita, um melhor que o outro. Mas não são só suas histórias que impressionam, a maneira como ele atrai a atenção dos ouvintes, de crianças à adultos, é espantosa. Suas histórias de saci, mula sem cabeça, Jeca Tatu, vão além da oralidade. Tem o olho esbugalhado, o arrepio que gela, o riso brincalhão o sorriso singelo e toda uma sonoplastia peculiar que vai do cavalo em disparada ao barulho do vento.

Suas histórias são ótimas mas, não fosse o meio.

Pra mim Seu Ditão faz toda a diferença. Protagonista, parente ou amigo dos personagens principais de suas histórias, Seu Ditão faz-se verdadeiro, dá detalhes, conta onde aconteceu, a que horas, que roupas as pessoas vestiam, o que sentiram, como estão hoje. “Tudo verdade”. Questionado responderia assim, “Juro que vi” ou “Ouvi do cumpadi Vená, e o cumpadi não é de mentir”.

E o jornalismo com isso?

Não duvido do Seu Ditão, pudera eu ter a mesma habilidade dele para empregar no jornalismo. As histórias de Seu Ditão não tem buracos, Seu Ditão não come barriga. Respeita o lead, responde a ele e vai além, trabalha com fantasia, sons, apresenta toda uma mise en scène.

Fosse um jornalista, Seu Ditão seria um outlier, um mix de repórter de rádio bom de improviso, com repórter gonzo piadista, com tino de repórter policial compromissado com o lead, e o melhor, sensível ao seu entorno como os grandes mestres do jornalismo literário.Um grande contador de história.

Reunir todas essas habilidades não é fácil, mas conquistar a atenção dos leitores, telespectadores e ouvintes talvez não seja tão difícil.E é isso que busco. Hoje o jornalismo se apresenta de maneira diferente, não temos apenas jornal, televisão e rádio. Temos toda sorte de gadgets eletrônicas que podem servir de plataforma para informação.De repente o rádio está na internet, o telejornal pode ser conferido no celular, a charge do dia é acessada pelo tablet , a condição do tráfego está a disposição no painel do carro e o bom e velho o porta retratos nos fornece a previsão climática. Tudo junto e misturado.E as pessoas cada vez mais estarão propícias a acessar tais conteúdos e se sentirem confortáveis ao fazer o uso dos mesmos. Isso porque nos tornaremos cada vez mais adaptados as novas tecnologias, assim como incorporamos o carro ao nosso dia e fazemos o uso deste como uma extensão do nosso corpo ao encararmos o trânsito, já o fazemos também com o celular(você nunca se pegou em um lugar e ao bater a mão no bolso, notando a falta do telefone, se sentiu mal, a ponto de se sentir incompleto, como se algo estivesse faltando?) e o faremos com outras gadgets eletrônicas.

Seu Ditão enquanto contador de histórias se destaca pela maneira criativa e competente que utiliza para contar suas aventuras. Como um jornalista ele vive ou ouve de quem viveu seus causos e os relata. Suas histórias cativam a audiência, mas tal audiência restringe-se a poucas pessoas, dá-se no campo da História Oral. Talvez não possamos ser tão bons em contar uma história como Seu Ditão, e uma baixa audiência não costuma cativar nós jornalistas. Mas podemos pegar o espírito multitarefa de Seu Ditão e casá-lo com as novas tecnologias. Vejo deste casamento o surgimento do novo profissional de mídia, um profissional que sabe trabalhar uma mesma informação de maneiras diferentes e em diferentes formatos para que esta atinja mais pessoas. Porque produzir uma informação hoje visando um único meio é muito pouco.

Por quê produzir histórias para um único meio, quando podemos contar a mesma em diferentes formatos, com abordagens distintas, podendo atingir mais e mais pessoas.
Temos de apostar na Narrativa Transmídia, uma vez que tudo está se convergindo, das novas tecnologias às relações dos indivíduos para com as novas mídias, uma história que venha a desenrolar-se através de múltiplas plataformas de mídia, pode vir a contribuir de maneira distinta e valiosa para o todo.

Na narrativa transmídia o conteúdo continua sendo o mais importante, mas utilizar os multimeios de maneira sincronizada e inteligente é requisito essencial para que as diferentes apresentações da história não se tornem repetitivas e venham enriquecer a experiência do leitor frente a informação apresentada, deixando-o confortável para interagir com o tema.

Já temos no jornalismo, exemplos bacanas no campo dos newsgames, da visualização de dados e da cobertura política realizada por blogs e redes sociais , de como a narrativa transmídia pode ser efetiva na disseminação de uma informação.

Com relação a atuação de amadores e seu papel na narrativa transmídia acredito que estes entram no mesmo patamar que veículos consolidados. Exemplos como os fanmades, vídeos e textos criados por fãs, de séries como LOST, Harry Potter e Crepúsculo provam que a audiência tem um grande potencial de transformar a informação e torná-la mais acessível a seus pares. Virais de sucesso na internet como a origem do sabre de luz verde da saga de Star Wars e spoilers sobre LOST também partiram de iniciativas de fãs e não da mídia especializada.

Aos profissionais que se incomodam com o tratamento amador dado a informação original, talvez caiba a estes uma reflexão. Quem conta um conto aumenta um ponto é o que dizem.Tal ponto muitas vezes é tido como um equívoco, um erro, uma mentira. Mas e se no lugar de enxergar algo pejorativo nesse ponto a mais , buscássemos um olhar positivo, algo como um novo ponto de vista, uma nova idéia.Bem se fizermos isso teremos um novo olhar.E depois, seguindo a regra da narrativa transmídia, outro e outro e outro e outro...

Talvez a utópica objetividade tão prezada por alguns colegas não tenha vez na Era Digital.Talvez esta nunca tenha existido.

Bem peço desculpas ao leitor, me estendi além do esperado, já se passaram bem mais que dois dedos de prosa.Espero que tenha rendido um bom causo.

“Tarde proceis”.


* Gilmar R. Silva* é Jornalista especializado em cultura digital e Educador em Audiovisual, Novas Mídias e Cibercultura. Owner da Laranja Pontocom e entusiasta da cultura livre, da cultura pop e da cultura DIY (Faça você mesmo).


Twitter: @Gilmar_

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