por
Dênis Russo Burgierman*
No meio dessa discussão complicadíssima sobre se o jornalismo está morrendo ou não, de repente me dei conta de uma dúvida anterior: afinal, o que é jornalismo?
Pelo que eu aprendi nos anos em que eu era executivo de uma grande empresa de mídia, jornalismo é uma atividade que faz parte de uma indústria. A indústria chama-se "publishing" – assim mesmo, em inglês (o pessoal da "big media" não gosta da tradução para o português, "editoração", que não tem metade do glamour).
Publishing, para resumir, é a indústria que vende anúncios, apura e organiza informações e depois vende publicações contendo informações misturadas com anúncios.
Jornalismo é a alma do "publishing". Ou, numa versão menos romântica, é a isca. Funciona assim: eu saboreio aquela reportagem fabulosa e maravilhosamente informativa e fico tão embevecido que, quando menos espero... Tóim! Fui fisgado por um anúncio de cerveja! Hmmm, que sede! E assim as grandes empresas de mídia juntam o dinheirinho do leitor agradecido ao dinheirão do anunciante e podem pagar pelos seus prédios imponentes e pelo bônus dos seus executivos.
É isso jornalismo? É o trabalho de emoldurar anúncios com informação útil e agradável?
Se é, má notícia. Embora tudo hoje pareça um mar de rosas neste Brasilzão em crescimento, e os empresários de mídia estejam faturando uma nota com a ascensão da classe média, há nuvens bem negras no horizonte. E elas prenunciam uma tempestade tão terrível como a que já está assolando os países ricos, onde jornais estão morrendo como moscas.
Num mundo em que informação é excessiva, está ficando difícil cobrar por ela, ainda mais quando se trata de informação industrialmente produzida: em larga escala, padronizada. Num mundo no qual o consumidor está perdendo a ingenuidade e pode filtrar informação, está ficando difícil convencer os anunciantes de que basta esconder o anúncio dele dentro da minhoca jornalística para fisgar clientes. Se essas duas dificuldades não forem resolvidas, bye bye publishing: afinal, o dinheiro da audiência e o dinheiro do anunciante são suas duas únicas fontes de receita.
É a morte do jornalismo então?
Não. É, talvez, a morte da indústria que, ao longo do último século, sustentou o jornalismo. Rest in peace, publishing. Deixará saudades.
Acontece que, enquanto o publishing desmorona, vão surgir milhões e milhões de oportunidades. Quando grandes indústrias que fazem serviços relevantes desabam, abrem espaço para gente inovadora propondo coisas diferentes. Estamos entrando numa época de experimentação, de invenção, de novidades.
Até por isso, resolvi sair da grande mídia. Depois de 10 anos na Editora Abril, hoje faço expediente numa empresinha pequena chamada Webcitizen, cujo objetivo singelo é transformar o mundo usando informação. (Se quiser conhecer alguns dos nossos projetos, você pode encontrá-los na web: www.votenaweb.com.br, www.issonaoenormal.com.br, www.tedxsaopaulo.com.br)
Trabalhar aqui do lado de fora da grande mídia é bem diferente de trabalhar lá dentro. Agora que minha atividade não tem mais o abrigo de uma indústria, a luta ficou mais dura. Perdi uns privilégios – acesso fácil a entrevistados com a simples menção do nome da publicação, por exemplo. Agora, a cada projeto novo que inventamos, preciso convencer os entrevistados de que somos sérios, de que sabemos o que estamos fazendo, de que vale a pena gastar tempo conosco.
Outro privilégio perdido é o acesso fácil ao leitor. Como ele já tinha uma relação com a revista onde eu trabalhava, estava sempre disposto a me ouvir. Qualquer frasezinha que eu escrevesse lá ganhava automaticamente uma audiência de centenas de milhares. Agora, aqui fora, eu sou uma voz entre milhões na cacofonia da internet. Se o que eu escrevo é relevante, maravilha. Se não, será solenemente ignorado.
Essa experiência nova me faz pensar bastante sobre a pergunta que coloquei no título deste texto: o que é jornalismo?
Jornalismo não é apenas a atividade de uma indústria.
Jornalismo é uma atitude: é ser curioso diante do mundo, é ser humilde para fazer perguntas e é ser transparente na divulgação da informação, revelando ao máximo todos os interesses envolvidos.
Eu não sei como vai ser o futuro do jornalismo. Na verdade, em nem sei mais o que é jornalismo: essa palavra já não significa quase nada para mim. Eu não sei se blogueiros amadores são mais ou menos jornalistas do que repórteres profissionais que não fazem nada além de reproduzir press-releases. Eu não sei se a palavra "jornalismo" será usada daqui a 10 anos. Eu não sei se todos os jornais do mundo vão falir ou se alguns vão se reinventar a tempo.
Eu não sei se o modelo de negócios das grandes empresas de mídia vai ser suficiente para sustentar os prédios imponentes e os bônus dos executivos.
Mas de uma coisa eu sei: continuaremos precisando de gente que tenha a atitude de um jornalista.
Se eu fosse dar um conselho só, seria esse: concentre-se na atitude, não no modelo de negócios.
* Dênis Russo é jornalista. Trabalhou como Diretor de Redação da revista Superinteressante e esteve à frente de projetos especiais da Editora Abril. Apesar de ser “do impresso”, como costuma dizer, herdou do convívio com os cibernéticos do Vale do Silício mais do que a mania de dominar o mundo. Hoje é Diretor de Conteúdo da WebCitizen, empresa que propõe estimular o engajamento cívico e aproximar cidadãos entre si e de seus governos por meio da cultura digital.
Pelo que eu aprendi nos anos em que eu era executivo de uma grande empresa de mídia, jornalismo é uma atividade que faz parte de uma indústria. A indústria chama-se "publishing" – assim mesmo, em inglês (o pessoal da "big media" não gosta da tradução para o português, "editoração", que não tem metade do glamour).
Publishing, para resumir, é a indústria que vende anúncios, apura e organiza informações e depois vende publicações contendo informações misturadas com anúncios.
Jornalismo é a alma do "publishing". Ou, numa versão menos romântica, é a isca. Funciona assim: eu saboreio aquela reportagem fabulosa e maravilhosamente informativa e fico tão embevecido que, quando menos espero... Tóim! Fui fisgado por um anúncio de cerveja! Hmmm, que sede! E assim as grandes empresas de mídia juntam o dinheirinho do leitor agradecido ao dinheirão do anunciante e podem pagar pelos seus prédios imponentes e pelo bônus dos seus executivos.
É isso jornalismo? É o trabalho de emoldurar anúncios com informação útil e agradável?
Se é, má notícia. Embora tudo hoje pareça um mar de rosas neste Brasilzão em crescimento, e os empresários de mídia estejam faturando uma nota com a ascensão da classe média, há nuvens bem negras no horizonte. E elas prenunciam uma tempestade tão terrível como a que já está assolando os países ricos, onde jornais estão morrendo como moscas.
Num mundo em que informação é excessiva, está ficando difícil cobrar por ela, ainda mais quando se trata de informação industrialmente produzida: em larga escala, padronizada. Num mundo no qual o consumidor está perdendo a ingenuidade e pode filtrar informação, está ficando difícil convencer os anunciantes de que basta esconder o anúncio dele dentro da minhoca jornalística para fisgar clientes. Se essas duas dificuldades não forem resolvidas, bye bye publishing: afinal, o dinheiro da audiência e o dinheiro do anunciante são suas duas únicas fontes de receita.
É a morte do jornalismo então?
Não. É, talvez, a morte da indústria que, ao longo do último século, sustentou o jornalismo. Rest in peace, publishing. Deixará saudades.
Acontece que, enquanto o publishing desmorona, vão surgir milhões e milhões de oportunidades. Quando grandes indústrias que fazem serviços relevantes desabam, abrem espaço para gente inovadora propondo coisas diferentes. Estamos entrando numa época de experimentação, de invenção, de novidades.
Até por isso, resolvi sair da grande mídia. Depois de 10 anos na Editora Abril, hoje faço expediente numa empresinha pequena chamada Webcitizen, cujo objetivo singelo é transformar o mundo usando informação. (Se quiser conhecer alguns dos nossos projetos, você pode encontrá-los na web: www.votenaweb.com.br, www.issonaoenormal.com.br, www.tedxsaopaulo.com.br)
Trabalhar aqui do lado de fora da grande mídia é bem diferente de trabalhar lá dentro. Agora que minha atividade não tem mais o abrigo de uma indústria, a luta ficou mais dura. Perdi uns privilégios – acesso fácil a entrevistados com a simples menção do nome da publicação, por exemplo. Agora, a cada projeto novo que inventamos, preciso convencer os entrevistados de que somos sérios, de que sabemos o que estamos fazendo, de que vale a pena gastar tempo conosco.
Outro privilégio perdido é o acesso fácil ao leitor. Como ele já tinha uma relação com a revista onde eu trabalhava, estava sempre disposto a me ouvir. Qualquer frasezinha que eu escrevesse lá ganhava automaticamente uma audiência de centenas de milhares. Agora, aqui fora, eu sou uma voz entre milhões na cacofonia da internet. Se o que eu escrevo é relevante, maravilha. Se não, será solenemente ignorado.
Essa experiência nova me faz pensar bastante sobre a pergunta que coloquei no título deste texto: o que é jornalismo?
Jornalismo não é apenas a atividade de uma indústria.
Jornalismo é uma atitude: é ser curioso diante do mundo, é ser humilde para fazer perguntas e é ser transparente na divulgação da informação, revelando ao máximo todos os interesses envolvidos.
Eu não sei como vai ser o futuro do jornalismo. Na verdade, em nem sei mais o que é jornalismo: essa palavra já não significa quase nada para mim. Eu não sei se blogueiros amadores são mais ou menos jornalistas do que repórteres profissionais que não fazem nada além de reproduzir press-releases. Eu não sei se a palavra "jornalismo" será usada daqui a 10 anos. Eu não sei se todos os jornais do mundo vão falir ou se alguns vão se reinventar a tempo.
Eu não sei se o modelo de negócios das grandes empresas de mídia vai ser suficiente para sustentar os prédios imponentes e os bônus dos executivos.
Mas de uma coisa eu sei: continuaremos precisando de gente que tenha a atitude de um jornalista.
Se eu fosse dar um conselho só, seria esse: concentre-se na atitude, não no modelo de negócios.
* Dênis Russo é jornalista. Trabalhou como Diretor de Redação da revista Superinteressante e esteve à frente de projetos especiais da Editora Abril. Apesar de ser “do impresso”, como costuma dizer, herdou do convívio com os cibernéticos do Vale do Silício mais do que a mania de dominar o mundo. Hoje é Diretor de Conteúdo da WebCitizen, empresa que propõe estimular o engajamento cívico e aproximar cidadãos entre si e de seus governos por meio da cultura digital.
Grande e sábio, Dênis. faltou mencionar outra coisa: não estar na grande mídia também significa menos amarras para criar! Essa parte é muito boa.
ResponderExcluirÓtimo texto.