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José Murilo Junior¹
A concepção hoje corrente sobre ‘meio-ambiente’, como algo a ser protegido por intermédio de uma mobilização social, não existe há muito tempo. A partir da segunda metade do século XX, o movimento que veio a ser chamado de ambientalista cunhou este conceito para abranger um conjunto de fenômenos que de outra forma pareceriam não ter nenhuma relação entre si: poluição, destruição de habitats, conservação, extinção de espécies, atitudes em relação à natureza, etc. O objetivo foi atrair o interesse de grupos diversos, que a princípio não teriam nenhuma afinidade, mas que vieram a formar coalizões significativas na popularização das causas ecológicas. O que poderia unir os caçadores aos observadores de pássaros, ou o doente de asma na poluição de São Paulo com o pescador de lagosta no nordeste?
Sabemos que o processo de formação dos movimentos sociais ambientalistas vai muito além da simples manipulação semântica. De fato, a mobilização teve origem nas descobertas da ciência sobre as frágeis interconexões dos sistemas vivos, em conjunção com as análises sobre externalidades econômicas negativas -- como por exemplo, a poluição gerada pelas atividades industriais, que por ser invisível (ou não facilmente
mensurável), teve seu custo social ignorado por muito tempo. A convergência dos dados oriundos de diferentes perspectivas aportaram ao nascente movimento ambientalista um conjunto de ferramentas conceituais e analíticas, o que permitiu o surgimento de uma profunda e eficaz crítica à ortodoxia econômica construída sobre a premissa do crescimento perpétuo. Desde então, questões ecológicas / ambientais ganharam influência permanente no debate global, e na formulação das leis que ordenam o impacto
das atividades econômicas sobre o meio-ambiente.
O advento da popularização das tecnologias digitais, em paralelo com a hiperconexão trazida pela Internet, criou o que muitos hoje chamam de ambiente digital. Neste espaço vimos nascer uma nova ecologia do conhecimento e da cultura, que tem gerado impactos significativos nos processos de acesso, produção, reprodução, distribuição e armazenamento de conteúdos. Este novo ambiente é, em última instância,
formatado pelo marco legal dos direitos de propriedade intelectual vigente. Na sociedade da informação, acesso ao conhecimento e à cultura, liberdade de expressão, criatividade digital, inovação científica e outros benefícios potencializados pela rede global dependem diretamente do reconhecimento da importância de uma esfera pública fortalecida. Entretanto, como resultado da pressão de setores organizados da indústria cultural, a evolução das leis que regulam os direitos de autor nas últimas décadas foi pautada pela ógica da sobre-proteção -- quanto maior o controle no acesso, por mais tempo, melhor.
A Ecologia Digital argumenta, de forma análoga ao movimento ambientalista, que devemos tornar visíveis as contribuições invisíveis do domínio público ao desenvolvimento da sociedade da informação. É fundamental que possamos demonstrar os “serviços ao ecossistema” prestados pelo reservatório vital de liberdade na cultura e na ciência. Este novo ativismo deve desenvolver um conjunto de ferramentas conceituais e analíticas
apto a revelar um melhor entendimento econômico sobre os processos de criatividade distribuída (open source), e uma análise mais refinada da importância do ‘outro lado’ da propriedade intelectual. Nesta perspectiva, o domínio público é vital para a inovação e a cultura, da mesma forma como o são os conteúdos protegidos por direitos autorais.
Os ambientalistas obtiveram êxito em demonstrar a importância da ecologia para a saúde humana, e a necessidade de um desenvolvimento sustentável. Cabe ao ativismo da ecologia digital promover uma perspectiva mais sofisticada sobre o necessário equilíbrio entre os direitos de propriedade intelectual e o domínio público. A missão deste novo ativismo é popularizar a visão de que, sob o paradigma da sociedade da informação, os processos de inovação se dão no âmbito da interação dinâmica entre as dimensões do conteúdo livre e do conteúdo protegido. Neste sentido, é necessária revisão urgente dos marcos regulatórios
de propriedade intelectual subordinados à lógica de sobre-proteção dos direitos de autor.
Assim como outrora foi criada a noção de ambiente, cabe agora ao ambientalismo digital (cultural) inventar o domínio público, antes de salvá-lo.
* Originalmente publicado no e-book “Para Entender a Internet”.
¹ José Murilo Junior se apresenta: Sou um blogueiro brasileiro. ‘Ecologia Digital’, o blog, foi lançado em 2002, e desde o início a idéia era registrar o ativismo digital que surgia em questões relacionadas a abusos na proteção de direitos autorais e manutenção das liberdades civis no ambiente da rede. Desde 2004 ocupo o cargo de Gerente de Informações Estratégicas no Ministério da Cultura, e o objetivo maior é desenvolver projetos open source dentro do governo, transformando possibilidades avançadas da web em política pública. Minha atividade blogueira me levou a conhecer o Global Voices Online em 2006, e além de fundar o GVO em Português, colaboro como editor de Língua Portuguesa no projeto. As blogadas em inglês ficam no ‘Eco-Rama’. Minha graduação é em Psicologia Clínica - CEUB, com passagens pela Sociologia e Filosofia na UnB. Fui guitarrista da ‘Banda 69’ nos anos dourados do Rock em Brasília (81 a 85), moro na comunidade Céu do planalto desde 1994, e tenho 4 filhos: Luiza (21), Gabriela (17), Miguel (16) e Elisa (3).
Twitter: @josemurilo
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