por
Dalton Martins¹ feat. Gilmar R. Silva²
Muito se conta, muito se fala sobre ética. Ética nas ações, nas palavras, nos pensamentos, nos gestos e atitudes. Essa palavra aparece em jornais, notícias, reportagens e projetos.
Chega até um certo ponto ser um termo gasto entre tantas interpretações e usos que são
bem pouco compreendidos ou aplicados em ações práticas. Eis que ontem, no Campus Party, me pediram para escrever um pouco sobre ética hacker. Fiquei pensando em como
falar sobre isso e, sinceramente, a melhor forma que encontrei é falar da forma como um hacker age, de que exemplo ele dá a partir de sua forma de ver o mundo.
O hacker tem um jeito de ser, tem um foco, tem um interesse. Gosta de vivenciar desafios e gosta de aprender com seus próprios limites. Mas, um ponto que diferencia fundamentalmente o hacker de outras pessoas que também gostam de desafios é que o hacker utiliza uma parte significativa do seu tempo documentando e compartilhando a forma como ele conseguiu vencer um desafio e, dessa forma, permite que outras pessoas possam aprender com suas descobertas. É uma atitude que possui em seu Dna um desejo íntimo de construir um mundo a partir de uma inteligência coletiva, a partir da colaboração entre as diferentes formas que as pessoas possuem de resolver seus problemas.
Dessa forma, um hacker é também um contador de histórias dos mitos e das magias que ele desvenda em sua maneira de se apropriar da tecnologia, de dar significado a ela e de inspirar o aprendizado em outras pessoas que possuem interesses semelhantes ao caminho que ele vem percorrendo. Essa maneira de se apropriar da tecnologia é também uma forma essencialmente prática de encarar a vida: descobrir problemas, encontrar soluções, documentar processos e compartilhar de forma livre na rede com as outras pessoas.
Parece bastante simples, mas é necessário haver uma atitude no meio de tudo isso para que o processo funcione: é preciso não ter medo de compartilhar o que se aprendeu, é preciso não ter receio de abrir informações, é preciso acreditar que a inteligência coletiva pode levar a construção de novas possibilidades de convivência e de experiência de mundo melhor do que a competição pura e simples permitiu até hoje.
E essa atitude já está agregando novos adeptos, mesmo em ambientes profissionais marcados pela competição como o jornalismo.
É característico na imprensa o egocentrismo e até mesmo um certo pretensiosismo de alguns profissionais, por terem acesso a pessoas importantes e informações em primeira mão. Sem falar no orgulho descabido de alguns ao verem seu nome atrelado a um furo ou uma entrevista exclusiva. Mas a postura hacker vem mudando esse posicionamento. A realização deste e-book, por exemplo, só foi possível devido a colaboração gratuita de profissionais de destaque na mídia brasileira alinhados a idéia do jornalismo colaborativo. Outros bons exemplos de jornalismo colaborativo são o site coreano OH MY News e o site brasileiro Overmundo. As notícias veiculadas nestes sites são construídas de maneira coletiva, por meio de wiki pages, os dois sites possibilitam que outros usuários atualizem ou corrijam uma informação postada por outra pessoa. O coletivo sobrepõe-se ao egocentrismo.
E isso não significa que o crédito da atividade intelectual seja mal visto ou coisa rara no mundo digital. Veja o caso do Retweet no Twitter, a maioria dos usuários ( jornalistas inclusos ) gastam cerca de 10% dos seus 140 caracteres com o RT: @Fulano ou por @Fulano , via @Fulano . A apropriação sem dar crédito não é regra, a gentileza para com o outro usuário (jornalista) sim.
E é esse tipo de atitude que podemos e devemos promover entre os jornalistas como sendo uma ética hacker!
* Originalmente publicado no e-book “Para Entender a Internet”.
¹ Dalton Martins é um dos articuladores do MetaReciclagem e designer de redes sociais. Colabora com a Coordenadoria de Tecnologia Social da Escola do Futuro na USP e desenvolve o WebLab.tk, que pesquisa, desenvolve e implementa tecnologias, metodologias e processos de colaboração para o estímulo da aprendizagem e inovação. Atua em projetos que buscam mapear e identificar redes sociais emergentes a partir de estruturas de comunicação livres.
Twitter: @dmartins
² Gilmar R. Silva é Jornalista especializado em cultura digital e Educador em Áudiovisual, Novas Mídias e Cibercultura. Owner da Laranja Pontocom e entusiasta da cultura pop, da cultura digital, da cultura livre e da cultura DIY(faça você mesmo).
Twitter: @Gilmar_
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