Por
Alexandre Petillo*
Eu sou um cara à moda antiga. Abro a tela do Word e escolho a fonte “Verdana” para escrever. É uma velha mania, acho que carrego há uns anos. Lembro que, logo no começo da carreira, tive uma reunião com um sábio amigo e ele me falou que era legal escrever em “Verdana”, porque tinha “uma cara de modernidade”. Achei bacana e hoje só escrevo com essa fonte. Superstição moderna, não me olhe assim.
Bate uma saudade dessa época. Pô, era genial poder se comunicar instantaneamente com outras pessoas através de um programinha sacana chamado ICQ. Parece que foi ontem que estava com um amigo em Porto Alegre, morgando, curando uma ressaca, ali pelo meio-dia quando começamos a ouvir o lendário programa Cafezinho (droga, esqueci o nome da rádio, o programa ainda existe), que é hilário. No programa, os caras comentavam o início do ICQ e se perguntavam sobre o nome. I (ai) C (se) Q (quiu). I seek you. Eu procuro você. Caramba, que nome bem construído, pensei na época. Alguém ainda se lembra do ICQ? Alguém ainda usa o ICQ?
Porto Alegre. Adoro essa cidade. É de lá que saiu um bando de malucos que fazia uma espécie de revista (fanzine? mala direta? nevermind) de cultura que chegava na caixa de e-mails de centenas em todo o Brasil. Era uma mensagem gigantesca. O e-mail trazia contos, reportagens, entrevistas, experimentações, doideiras. Trata-se do Cardosonline. Esperava todas as terças e quintas, louco, obsessivo, pela chegada da edição do COL. E lia, tudinho. Textos gigantescos. Se fosse imprimir, dava umas 50 páginas, por baixo. E a cada dia, o número de assinantes do COL só aumentava. Tive o prazer de escrever em alguns números – que guardo, impressos, na pasta de boas recordações. O legal de tudo é que, analisando hoje, muita gente boa que faz coisas legais na cultura atual saiu do COL. O próprio Cardoso, Clarah Averbuck, Daniel Galera, Daniel Pellizzari, todo o pessoal da Livros do Mal. E, se hoje, existe o Acústico MTV Bandas Gaúchas, é porque essas bandas conheceram o Brasil através de relatos precisos do COL. Trimmmassa.
Como se não bastasse, fiquei viciado também num tal de Digestivo Cultural, que era feito em São Paulo e trazia críticas ácidas e bem construídas em seu corpo. Hoje, é o grande ponto de cultura da internet brasileira, sem discussão. E as críticas ácidas, graças a Deus, continuam.
É dessa remota época também um outro doido chamado Alexandre Matias, que fazia uma versão on-line de suas páginas do Trabalho Sujo. Depois, fez o 1999, um site cujo mote era que “seria atualizado todo o santo dia”. Uma loucura. Achar um site com textos novos todo santo dia é coisa de maluco. “Esses caras devem trabalhar horrores”, pensava. É dessa ebulição que surgiu grandes escribas e gente muito fina, elegante e sincera, como Fábio Bianchini e Cecília Gianetti.
Lembro que li um texto do Matias (gigantesco, só para variar) sobre uma banda que, segundo o ativista dizia, misturava pitadas de country com soul. O dólar valia um real. Dava para comprar o disco importado, caso eu morasse na cidade grande. Mas morava no interior e um amigo me soprou que dava para baixar num programa doido chamado Napster. Na minha humilde conexão discada (que ficou bacana, depois que meu amigo de fé Carlinhos Falcatrua descobriu um provedor que aceitava chamada a cobrar), baixei o tal do Napster. Na maravilhosa média de duas músicas por noite, baixei o tal disco (Nixon) da tal banda (Lambchop) que misturava country com soul. Nem era tudo isso, mas abriu caminho para mergulhar num mar de raridades e outros sons, batidas e pulsações. Alguém aí se lembra do Napster? Alguém chegou a usar o Napster? Estou ficando velho...
Empolgado com o número de informações e labirintos, um amigo, somente ele, fez um site. Só ele sabia construir um site. Convidou um monte de comparsas para escrever. Eu falava sobre cinema – não sabia e continuo sabendo pouco, mas dei alguns pitacos engraçados. Como só ele sabia mexer na coisa, tinha atualizações quinzenais. E ele varava madrugadas atualizando.
Lembro que foi nessa época, numa roda de amigos, que um iluminado sugeriu que seria legal fazer um site só com fotos de pessoas em boates, em noitadas. Esse amigo que fazia site – webmaster, sim – disse que era besteira. “Quem vai entrar na internet para procurar a própria foto?”. Ninguém. Por isso, abrimos uma pastinha no Yahoo (lembram disso? Ainda existe), onde dava para arquivar nossas fotos e quem quisesse, entrava lá e salvava. Genial.
Comunicação instantânea. Revoluções culturais por e-mail. Troca de músicas on-line. Arquivo virtual de fotos. Salas de chat. E isso foi só o começo. Depois ainda veio transmissão de vídeo. Telefone pela internet. Blogs. Fotologs. Google. Orkut. Isso, em somente dez anos.
Esse papo me lembra de um doido que o velho sábio Matias escreveu sobre em seu Trabalho Sujo. Trata-se do filósofo Robert Wilson. Ele saiu com a teoria do Jesus Saltador. Basicamente, Wilson conceitua o “Jesus” de sua teoria como a unidade de conhecimento de fatos científicos conhecidos pela humanidade no ano em que Jesus Cristo nasceu. Wilson contabiliza o acúmulo de ciência nos séculos seguintes e estabelece o ano de 1500 como o ponto em que a humanidade dobrou seu conhecimento em relação à data inicial – dois Jesus.
A próxima vez que uma nova duplicação do conhecimento ocorre: 250 anos depois, pouco antes da Revolução Francesa. Depois, mais 150 anos e a humanidade possui, graças à Revolução Industrial, oito Jesus. Aí segue o padrão: 8 Jesus em 1900, 16 Jesus em 1950, 32 Jesus em 1960, 128 Jesus em 1973, 512 em 1982. Sou ruim de matemática, mas nessa última década da internet comercial, cabe alguma centena de Jesus. Ou não.
Não importa. Conceitos indefinidos têm lugar no século XXI. O que instiga é que tudo isso só está no começo. Provavelmente, Jesus nascerá todos os dias.
Eu sou um cara à moda antiga. Abro a tela do Word e escolho a fonte “Verdana” para escrever. É uma velha mania, acho que carrego há uns anos. Lembro que, logo no começo da carreira, tive uma reunião com um sábio amigo e ele me falou que era legal escrever em “Verdana”, porque tinha “uma cara de modernidade”. Achei bacana e hoje só escrevo com essa fonte. Superstição moderna, não me olhe assim.
Bate uma saudade dessa época. Pô, era genial poder se comunicar instantaneamente com outras pessoas através de um programinha sacana chamado ICQ. Parece que foi ontem que estava com um amigo em Porto Alegre, morgando, curando uma ressaca, ali pelo meio-dia quando começamos a ouvir o lendário programa Cafezinho (droga, esqueci o nome da rádio, o programa ainda existe), que é hilário. No programa, os caras comentavam o início do ICQ e se perguntavam sobre o nome. I (ai) C (se) Q (quiu). I seek you. Eu procuro você. Caramba, que nome bem construído, pensei na época. Alguém ainda se lembra do ICQ? Alguém ainda usa o ICQ?
Porto Alegre. Adoro essa cidade. É de lá que saiu um bando de malucos que fazia uma espécie de revista (fanzine? mala direta? nevermind) de cultura que chegava na caixa de e-mails de centenas em todo o Brasil. Era uma mensagem gigantesca. O e-mail trazia contos, reportagens, entrevistas, experimentações, doideiras. Trata-se do Cardosonline. Esperava todas as terças e quintas, louco, obsessivo, pela chegada da edição do COL. E lia, tudinho. Textos gigantescos. Se fosse imprimir, dava umas 50 páginas, por baixo. E a cada dia, o número de assinantes do COL só aumentava. Tive o prazer de escrever em alguns números – que guardo, impressos, na pasta de boas recordações. O legal de tudo é que, analisando hoje, muita gente boa que faz coisas legais na cultura atual saiu do COL. O próprio Cardoso, Clarah Averbuck, Daniel Galera, Daniel Pellizzari, todo o pessoal da Livros do Mal. E, se hoje, existe o Acústico MTV Bandas Gaúchas, é porque essas bandas conheceram o Brasil através de relatos precisos do COL. Trimmmassa.
Como se não bastasse, fiquei viciado também num tal de Digestivo Cultural, que era feito em São Paulo e trazia críticas ácidas e bem construídas em seu corpo. Hoje, é o grande ponto de cultura da internet brasileira, sem discussão. E as críticas ácidas, graças a Deus, continuam.
É dessa remota época também um outro doido chamado Alexandre Matias, que fazia uma versão on-line de suas páginas do Trabalho Sujo. Depois, fez o 1999, um site cujo mote era que “seria atualizado todo o santo dia”. Uma loucura. Achar um site com textos novos todo santo dia é coisa de maluco. “Esses caras devem trabalhar horrores”, pensava. É dessa ebulição que surgiu grandes escribas e gente muito fina, elegante e sincera, como Fábio Bianchini e Cecília Gianetti.
Lembro que li um texto do Matias (gigantesco, só para variar) sobre uma banda que, segundo o ativista dizia, misturava pitadas de country com soul. O dólar valia um real. Dava para comprar o disco importado, caso eu morasse na cidade grande. Mas morava no interior e um amigo me soprou que dava para baixar num programa doido chamado Napster. Na minha humilde conexão discada (que ficou bacana, depois que meu amigo de fé Carlinhos Falcatrua descobriu um provedor que aceitava chamada a cobrar), baixei o tal do Napster. Na maravilhosa média de duas músicas por noite, baixei o tal disco (Nixon) da tal banda (Lambchop) que misturava country com soul. Nem era tudo isso, mas abriu caminho para mergulhar num mar de raridades e outros sons, batidas e pulsações. Alguém aí se lembra do Napster? Alguém chegou a usar o Napster? Estou ficando velho...
Empolgado com o número de informações e labirintos, um amigo, somente ele, fez um site. Só ele sabia construir um site. Convidou um monte de comparsas para escrever. Eu falava sobre cinema – não sabia e continuo sabendo pouco, mas dei alguns pitacos engraçados. Como só ele sabia mexer na coisa, tinha atualizações quinzenais. E ele varava madrugadas atualizando.
Lembro que foi nessa época, numa roda de amigos, que um iluminado sugeriu que seria legal fazer um site só com fotos de pessoas em boates, em noitadas. Esse amigo que fazia site – webmaster, sim – disse que era besteira. “Quem vai entrar na internet para procurar a própria foto?”. Ninguém. Por isso, abrimos uma pastinha no Yahoo (lembram disso? Ainda existe), onde dava para arquivar nossas fotos e quem quisesse, entrava lá e salvava. Genial.
Comunicação instantânea. Revoluções culturais por e-mail. Troca de músicas on-line. Arquivo virtual de fotos. Salas de chat. E isso foi só o começo. Depois ainda veio transmissão de vídeo. Telefone pela internet. Blogs. Fotologs. Google. Orkut. Isso, em somente dez anos.
Esse papo me lembra de um doido que o velho sábio Matias escreveu sobre em seu Trabalho Sujo. Trata-se do filósofo Robert Wilson. Ele saiu com a teoria do Jesus Saltador. Basicamente, Wilson conceitua o “Jesus” de sua teoria como a unidade de conhecimento de fatos científicos conhecidos pela humanidade no ano em que Jesus Cristo nasceu. Wilson contabiliza o acúmulo de ciência nos séculos seguintes e estabelece o ano de 1500 como o ponto em que a humanidade dobrou seu conhecimento em relação à data inicial – dois Jesus.
A próxima vez que uma nova duplicação do conhecimento ocorre: 250 anos depois, pouco antes da Revolução Francesa. Depois, mais 150 anos e a humanidade possui, graças à Revolução Industrial, oito Jesus. Aí segue o padrão: 8 Jesus em 1900, 16 Jesus em 1950, 32 Jesus em 1960, 128 Jesus em 1973, 512 em 1982. Sou ruim de matemática, mas nessa última década da internet comercial, cabe alguma centena de Jesus. Ou não.
Não importa. Conceitos indefinidos têm lugar no século XXI. O que instiga é que tudo isso só está no começo. Provavelmente, Jesus nascerá todos os dias.
*ALEXANDRE PETILLO é jornalista. Na verdade, queria ser o Casagrande, mas acabou no jornalismo no lendário Notícias Populares. Criou a revista Zero, escreveu para a Folha, Estadão, Playboy, Época, Superinteressante e Placar. Editou o livro Noite passada um disco salvou minha vida, em que 70 músicos e jornalistas falam de seus discos favoritos. É diretor do núcleo de programas da Rede Vanguarda, afiliada Globo no Vale do Paraíba, em que também apresenta o Boteco Vanguarda, mesa-redonda sobre futebol, além de fazer reportagens para o Globo Esporte.
ALexandre, fantástico seu texto. Tenho uma dúvida. Este conhecimento a que se refere: o conhecimento dobra em quantidade ou em qualidade?
ResponderExcluirAndo meio pessimista, acho que a internet promete mais que politico corrupto. E cumpre bem menos. Ainda sim: a melhor ferramenta que já conheci!